sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Vida e Obra de Maria Montessori

"O Método de Montessori"


"MARIA MONTESSORI nasceu em 31 de Março de 1870, em Chiaravalle, de uma família conhecida pelo seu fervor religioso; feitos os estudos elementares, entrou na Universidade, matriculando-se na Faculdade de Medicina; a resolução causou estranheza porque até aí nenhuma mulher ousara cursar a Faculdade: considerava-se, em toda a Itália, que não eram trabalhos a que se pudessem dedicar as mulheres, sobretudo as que tinham amor de Deus e das coisas sagradas; Maria Montessori arrostou com todas as oposições, venceu uma a uma as resistências, impôs-se pelo seu gosto do estudo; respeitavam-na os mestres e os condiscípulos, todos que a conheciam foram louvando a sua inteligência e a sua coragem; havia nela um desejo de ver claramente os problemas, uma ânsia de servir a humanidade, um poder de iniciativa que lhe preparavam uma carreira brilhante.

Em 1896, alcançou o diploma de doutoramento e começou a ver-se como uma curiosidade a primeira médica italiana; ela, no entanto, só pensava em preparar-se melhor, em entrar na sua vida profissional armada, como um bom cavaleiro, de boas armas; interessavam-lhe sobretudo as doenças do sistema nervoso e concorreu ao internato da clínica de psiquiatria; a pouco e pouco foi-se especializando: as crianças desequilibradas atraíram-lhe a atenção e a piedade, encontrava-as em grande número num hospital de doidos onde ia escolher os seus doentes; toda a sua alma se confrangia ante os pobres seres que um duro destino aniquilara e ante os quais a medicina pouco podia; uma imensa piedade a invadia e a cada passo lhe lembravam as palavras de Jesus sobre os pequeninos; também ela estava certa de que o reino de Deus se não poderia construir sem a ajuda da criança.

O seu interesse pelos anormais levara-a ao conhecimento dos trabalhos de Ittard que, no tempo da Revolução Francesa, tivera de educar um idiota de oito anos conhecido pelo Selvagem de Aveyron e que, pela primeira vez, praticara uma observação metódica do aluno, construindo depois sobre ela o seu método de educação; de Ittard passou a Montessori a Edouard Séguin, professor e médico, que fizera durante dez anos experiências pedagógicas com pequenos internados numa casa de saúde e montara a primeira escola para anormais; leu atentamente o seu livro Hygiene et éducation des idiots et autres enfants arriérés (1846), seguiu-se-lhe o trabalho feito na América para onde emigrara e onde tinha fundado escolas de atrasados e anormais; em Nova Iorque, publicara outro livro, Idiocy and his treatment by physiological method (1866), em que dava o essencial do método.

Séguin insistia sobretudo na necessidade de uma observação cuidadosa do aluno; nada devia ser feito que pudesse representar uma violência às suas possibilidades psíquicas, o mestre não devia ser um modelador mas um espírito atento, pronto a aproveitar, fornecendo-lhe pontos de apoio para que se exercesse, todo o mais leve sintoma de um despertar psicológico; como o homem que ajuda o atleta no salto, tratava-se de amparar, não de forçar; o mestre devia, portanto, ter uma preparação científica cuidada e um perfeito domínio de si próprio; ao mesmo tempo, Séguin fornecia-lhe um material que construíra depois de anos de experiência e que lhe parecia ser o mais adaptado aos interesses espontâneos do anormal; o esperar aparecia no método de Séguin como a primeira grande qualidade do professor de anormais; a segunda, era a de saber aproveitar as oportunidades, que são quase sempre únicas, de fixar e desenvolver as débeis iniciativas internas do aluno.

Em 1898, num congresso em Turim, defendeu a Montessori a tese de que os deficientes e anormais precisavam muito menos da medicina do que dum bom método pedagógico; não se punha, evidentemente, de parte tudo o que fosse tratamento do sistema nervoso, reconstituintes e tónicos; mas assegurava-se que as esperanças de qualquer desenvolvimento estavam no mestre, não no clínico; era necessário que se criasse à volta do aluno um ambiente que o ajudasse, e que os médicos desprezavam, demasiado interessados por uma terapêutica tomada em sentido restrito; não havia que internar os anormais em casas de saúde e fazê-los desfilar pelas clínicas; tinham de se construir escolas onde se aperfeiçoassem, pela observação quotidiana, os métodos de Séguin e onde, ao mesmo tempo, se pu- dessem formar os professores; porque, sem bons professores, nada se poderia fazer .

Guido Baccelli, que fora professor de Maria Montessori e ocupava então o lugar de ministro da Instrução Pública, interessou-se pela comunicação e chamou-a a Roma para uma série de conferências sobre o ensino de anormais; as conferências despertaram o interesse de todos que se dedicavam ao assunto e criaram um movimento de opinião a favor das ideias que defendia a Montessori; o facto de terem dado excelentes resultados as experiências de Séguin em Paris e na América animava os mais cépticos; havia que tentar na Itália um instituto semelhante aos de Séguin; com relativa facilidade, pôde Baccelli fundar uma Escola Ortofrénica, com internato para crianças anormais e com organização que permitia fornecer os mestres que desejassem entregar-se a tal especialidade: fixara-se bem no espírito de todos a ideia de que um mestre sem preparação compromete os resultados de um método por melhor que este seja.

Toda a vida de Maria Montessori se orientava agora para a educação dos anormais; tomava conhecimento de tudo quanto se ia publicando em Itália e no estrangeiro sobre pedagogia, aproveitava todas as sugestões que se lhe afiguravam úteis, prosseguia infatigavelmente as suas experiências com os alunos do internato; mostrava aos candidatos a professores como a tarefa que empreendiam era das mais nobres que alguém pode tomar sobre si, como a caridade, o espírito de sacrifício, a atenção, o íntimo entusiasmo, o optimismo e o zelo pelo trabalho formam o indispensável fundamento em que vêm assentar os conhecimentos e preceitos; já desde então lhe surge no espírito o pensamento de que na escola não ganham só os alunos, mas também os mestres, e de que a educação não é, como se julgara até aí, um jogo unilateral: se a escola é boa, a personalidade do mestre deve também enriquecer-se ao contacto da do aluno, mesmo que se trate de anormais, e, como veremos, sobretudo se se trata de anormais.

As viagens a Paris e a Londres puseram-na a par do que se fazia de mais moderno em outros países; já, porém, a sua escola se colocava em melhor plano do que aquelas que visitava; sentia que dentro de pouco tempo Séguin estaria superado; ao regressar, trabalhou ainda com mais vontade: dia após dia, das 8 da manhã às 8 da tarde, Maria Montessori instruía os mestres, observava os alunos, redigia as suas notas, atendia a consultas, entrava em ligação com todas as pessoas que podiam ajudá-la; mandara fabricar o material de Séguin e aperfeiçoara-o, pusera de lado o que reconhecia insuficiente, criara ela própria material novo; o esforço físico a que se obrigara prostrou-a por fim; mas os anormais que educara, submetidos a exame nas escolas públicas, prestaram provas tão boas como as dos alunos normais.

Triunfava, mas, no descanso que se impusera, um novo problema a preocupava; como era possível que alunos anormais quase batessem os normais? Só havia uma explicação: a de que as escolas de normais estavam mal organizadas, a de que os métodos eram péssimos e sacrificavam todas as possibilidades que a natureza, generosamente, tinha distribuído à maior parte das crianças; se assim era (e que dúvida poderia existir?), havia uma faina mais importante do que educar anormais: tinha que libertar os milhões de espíritos que implacavelmente as máquinas escolares diminuíam ou esmagavam; a empresa apareceu-lhe como tão grandiosa, a missão como tão bela que teve medo de se entregar por completo ao sonho magnífico; dominou-se e disciplinou-se: tinha de preparar-se cuidadosamente, antes de se lançar pelo novo caminho que se abria.

Abandonou a Escola Ortofrénica e entregou-se a uma nova leitura de Ittard e de Séguin; traduziu-lhes os livros para italiano, esforçando-se por os escrever como um calígrafo, para que cada palavra se lhe gravasse indelevelmente no espírito; durante meses, Maria Montessori medita no silêncio do seu gabinete, esforçando-se por dar às suas ideias a forma exacta e a íntima convicção que lhe seriam depois os meios infalíveis para a conquista do mundo; como um guerreiro em vela de armas, só quer no seu espírito pensamentos nítidos e puros; a linha essencial vai-se desenhando a pouco e pouco e o livro que Séguin publicara em1866 dá-lhe o traçado definitivo: o método que o francês criara era tão bom que dava resultado, mesmo quando se aplicava a alunos anormais.

A preparação, porém, não se podia considerar completa; Maria Montessori volta a ser estudante e frequenta as aulas de psicologia experimental e de pedagogia; ouvidos os professores de Roma, corre aos de Nápoles e de Milão e fixa o mínimo ensinamento, cuidadosamente o insere no seu próprio sistema, eliminando o que a experiência lhe indica como errado, modificando o que uma segura penetração do problema lhe faz ver como precipitada conclusão; as bibliotecas e os cursos conhecem-lhe a assiduidade fervorosa e, não contente com os conhecimentos que eles lhe forneciam, procura alargá-los visitando as escolas elementares do reino, inquirindo junto dos professores dos métodos seguidos e dos resultados obtidos, assistindo às aulas, manejando as classes quando lhe era possível fazê-lo.

O seu trabalho com os anormais e o interesse que demonstrava pelas questões de educação levaram o ministro a nomeá-la para a cadeira de antropologia pedagógica de Roma; era um lugar em que podia exercer uma grande influência, expondo as suas ideias sobre o ensino elementar e levando os futuros mestres a não considerarem como resolvido o problema da escola; lançar-lhes no espírito a dúvida quanto ao que se tinha feito até aí era já um grande passo; mas o que havia a fazer de positivo, não era da sua cátedra que o faria: as palavras podem preparar os espíritos, mas, nas questões de educação, só as realizações, com os resultados que ninguém pode discutir, trazem a vitória aos que se apresentam como paladinos de uma ordem nova.

Pensou em seguir o caminho que tomara com os anormais e fez diligência por que se fundasse uma Escola Normal, com classes de experiência, por onde passariam todos os alunos e mestres; as duas tarefas - a da reforma de métodos e a preparação de professores - iriam a par, como da outra vez, dando todas as garantias contra a falência por falta de formação do pessoal; a burocracia, porém, que até então se mostrara anormalmente compreensiva e pronta, pôs obstáculos que se revelaram insuperáveis; nenhum esforço conseguia vencer a espessa barreira e Maria Montessori teve, por uns tempos, de se resignar ao único meio de que dispunha para ir espalhando as suas ideias.

Mas não desanimava; sabia que, quando uma ideia e uma vida formam um todo indissolúvel e existem uma pela outra, cedo ou tarde o mundo acede à vontade invencível e se deixa modelar, oferecendo quanta vez uma riqueza de possibilidades muito superior ao que se tinha julgado; e, segundo o que pensava, a ocasião surgiu: uma empresa italiana que construía prédios para gente pobre pediu-lhe, em 1906, que ajudasse a resolver um problema importante: os pais dos pequenos que moravam nos prédios iam para o seu emprego muito cedo e quase todo o dia estavam ausentes de casa; o resultado era que as crianças, entregues a si próprias, faziam um barulho insuportável e estragavam o prédio; se Maria Montessori quisesse tomar conta do trabalho de as aquietar e entreter, estavam dispostos a ceder-lhe uma sala em cada "bloco" e a pagar-lhe o pessoal necessário.

Maria Montessori mediu imediatamente as vantagens excepcionais da oferta: em primeiro lugar não se tratava de escolas, não havendo, portanto, nenhuma espécie de exigências quanto a programas e exames; em segundo lugar, os pais não possuíam a mínima noção de pedagogia e não seriam tentados a intervir no funcionamento da sala; por fim, se o método desse resultado, teria, para a sua difusão imediata e aplicação a todas as escolas elementares, duas qualidades importantes: era barato e dava resultado mesmo com camadas de população de baixo nível cultural e de deficiente vida material.

Escolhido o prédio em que se devia fazer a primeira experiência e contratada uma professora, elaborou-se o regulamente traçado em linhas muito simples: admitiam-se todas as crianças da casa, desde os 3 aos 7 anos de idade, sem nenhum dispêndio para os pais, que apenas se comprometiam a mandá-las às horas indicadas pela directora, lavadas e com vestidos limpos; a ajudar o pessoal na sua tarefa de educação; a darem à directora as informações que lhes pedissem quanto ao comportamento da criança em casa; a acatarem os conselhos que lhes dessem os professores; os pequenos que se apresentassem sujos ou mal cuidados ou que se mostrassem indisciplinados não poderiam frequentar a sala; por último, excluir-se-iam também aqueles cujos pais faltassem ao respeito ao pessoal da Casa ou de qualquer modo entravassem a acção educativa que se empreendia com a fundação; todos os casos omissos seriam resolvidos pela directora.

A primeira Casa dei Bambini abriu em Janeiro de 1907, com instalações que ficavam muito aquém das que hoje se exigiriam numa escola bem montada, mas que davam à Montessori toda a possibilidade de fazer as suas experiências; o mobiliário era rudimentar , faltavam flores, as crianças não tinham espaço suficiente para os recreios; mas, na parede, a Madona deIla Sedia de Rafael era o símbolo de todo o carinho, de toda a inteligente dedicação, de toda a vontade criadora que se iam empregar na empresa; a professora escolhida compreendia Maria Montessori e seguia-lhe as directrizes com entusiasmo pela tarefa e confiança nos princípios do método.

Tão bons resultados deu, quanto a disciplina, a primeira Casa, que a empresa resolveu abrir outra; a 7 de Abril, inaugurou-se a segunda, pouco depois uma terceira; as perspectivas eram brilhantes porque a empresa possuía já 400 prédios, e 400 escolas Montessori seriam mais que o bastante para impor o método a toda a Itália e depois ao resto do mundo; os educadores começavam a chegar a Roma e a visitar as Case dei Bambini, regressando entusiasmados com o que se conseguia fazer: falavam de crianças novas, dos seres extraordinários de delicadeza, de precisão, de inteligência, de correcção que Maria Montessori soubera criar; nas escolas que iam montando noutras cidades, os professores mais audaciosos guiavam-se todos pelas normas montessorianas que vinham aprender nas visitas às Case .

Teresa Bontempi introduziu-as na Suíça e as escolas infantis deixaram Froebel por Montessori; pouco depois fundou-se uma escola na Argentina e, em 1910, o método penetrou nos Estados Unidos; em 1911, abriu-se uma escola em Paris e, em 1913, constituiu-se na Inglaterra uma sociedade Montessori. Ao mesmo tempo duas sociedades, uma de Milão, outra de Roma, ofereceram-se para fabricar o material necessário e a baronesa Alicia Franchetti pagava a primeira edição da Pedagogia Científica em que Maria Montessori expunha os princípios e a didáctica do seu método; e, em 1911, devido aos esforços de Maria Maraini Guerrieri, o método Montessori era adoptado nas escolas primárias de Itália.

Hoje, os livros de Maria Montessori estão traduzidos em numerosas línguas, entre as quais o chinês e o árabe; há escolas Montessori em todo o mundo, até no Tibete e no Quénia; na Itália, na Hungria, na Holanda, no Panamá e na Austrália, os governos mandam adoptar o método nas escolas oficiais e modificam as leis escolares, todas as vezes que há entre elas e o funcionamento das escolas qualquer incompatibilidade; a preparação dos mestres também não foi descuidada e em vários países existem escolas de formação montessoriana; a sociedade Montessori tem secções em todas as terras civilizadas e funda escolas, organiza conferências, cursos de férias; o movimento amplia-se cada vez mais, embora com todas as modificações que os progressos recentes da pedagogia apresentam como aconselháveis. (Agostinho da Silva, O Método Montessori, pp.11-20)

Um comentário:

  1. “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”. Paulo Freire
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    Obrigada,
    Anisia Nascimento

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