sexta-feira, 30 de setembro de 2011

COMPETÊNCIAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: O QUE (NÃO) HÁ DE NOVO

Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003 1155Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Rosanne Evangelista Dias & Alice Casimiro LopesCOMPETÊNCIAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORESNO BRASIL: O QUE (NÃO) HÁ DE NOVOROSANNE EVANGELISTA DIAS*ALICE CASIMIRO LOPES**RESUMO: Neste artigo, analisamos a centralidade do conceito deROSANNE EVANGELISTA DIAALICE CASIMIRO LOPES**S*ALICE CASIMIRO LOPES**competências na reforma curricular da formação de professores noBrasil nos anos de 1990. Com base em Basil Bernstein, consideramoscompetências um conceito recontextualizado. Com base nos documentosoficiais, analisamos as relações globais e locais instituintesdo controle da profissionalização docente via currículo por competências.Analisamos também como o conceito de competências já foiempregado ao longo da história do currículo, particularmente na formaçãode professores, bem como as perspectivas que se apresentampara a formação de professores em nossa história recente.Palavras-chave: Competências. Currículo. Formação de professores.Recontextualização.COMPETENCES IN BRAZILIAN TEACHER EDUCATION: WHAT’S (NOT) NEWABSTRACT: This paper aims at analyzing the central role played bythe concept of competences in the curricular reform in the Brazilianteacher education, in the 1990s. Drawing on the work of BasilBernstein, competences are understood as a recontextualized concept.Based on official documents, we analyze the global and local relationsthat promoted the control on the teachers’ professionalizationthrough a competence-based teacher education. The different waysto apply this concept to the curriculum history, especially as concernsteacher education, are also explored, as well as the viewpoints theybrought for teacher education in Brazilian recent history.
Key words: Competences. Curriculum. Teacher education.Recontextualization.* Professora do Colégio de Aplicação da UFRJ e mestre em Educação pela Faculdade de Educaçãoda UFRJ. E-mail: rosanne_dias@uol.com.br** Professora adjunta da Faculdade de Educação da UFRJ e doutora em Educação pela mesmaInstituição. E-mail: alice@ufrj.br1156 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Competências na formação de professores no Brasil: o que (não) há de novoIntroduçãourante os últimos oito anos, as políticas educacionais brasileiraspassaram por um conjunto de reformas que trouxepara o centro da cena as propostas curriculares. Em outrosmomentos históricos, o currículo também foi objeto de expressivaintervenção governamental. No período recente, contudo, o debatee as ações modificaram-se ao instituírem o currículo nacional porintermédio de parâmetros e diretrizes curriculares e de processos deavaliação centralizada nos resultados. Como já defendemos em outrostextos (Dias, 2002a, 2002b; Lopes, 2001, 2002a, 2002b),mantém-se nas recentes reformas a vinculação entre educação e interessesdo mercado, já identificada em outras épocas: cabe à educaçãode qualidade a formação de capital humano eficiente para omercado. Apresentam-se, no entanto, como diversas as formas deessa vinculação ser estabelecida e mantida, os mecanismos de controleconstituídos, em virtude das novas exigências do mundo dotrabalho e das mudanças sociais e culturais em curso.O currículo para a formação de professores também faz partedesse conjunto de reformas. Uma série de regulamentações no âmbitodo legislativo, intensificadas no período de 1999 a 2001, vinculatoda e qualquer mudança na qualidade da educação a uma mudançana formação de professores. Para tanto, nos documentos1 produzidospara orientação da reforma curricular da formação docente, após apromulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de1996, o conceito de competências é apresentado como nuclear na organizaçãocurricular – um “novo” paradigma educacional. Por intermédiodo conceito de competências, é organizado o discurso queobjetiva construir a qualidade da formação docente. Em que pesetoda a dificuldade de conceituar competências,2 estas são definidasclaramente nos documentos ministeriais para a formação de professorescomo a “capacidade de mobilizar múltiplos recursos, entre os quaisos conhecimentos teóricos e experienciais da vida profissional e pessoal,para responder às diferentes demandas das situações de trabalho”(RFP, 1999, p. 61).Neste texto, focalizamos o conceito de competências, no âmbitoda teoria curricular, visando a desconstruir essa estreita relação entrecurrículo por competências e qualidade do trabalho docente. Procuramosdemonstrar como o conceito de competências não é uma novidaEduc.Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003 1157Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Rosanne Evangelista Dias & Alice Casimiro Lopesde na teoria curricular, já tendo sido empregado em diferentes tempose espaços educacionais, tanto global quanto localmente. Como exemplo,analisamos a literatura que embasou programas americanos e brasileirospara a formação de professores nos anos de 1960 e nos anos de1970. Defendemos que nos documentos das reformas educacionais brasileirasdos anos de 1990 é feita uma recontextualização do conceito decompetências desses programas americanos e brasileiros para formaçãode professores, sendo por intermédio desse conceito recontextualizadoque se articula a estreita relação entre educação e mercado. Nos documentosoficiais ainda vigentes e não contestados pela nova equipe degoverno que assumiu em janeiro de 2003, é defendida como necessáriauma nova concepção para a formação de professores brasileiros capazde superar a formação insuficiente que vem sendo observada no desempenhodo seu quadro docente. Dessa forma, é reforçada uma relaçãodeterminista entre o desempenho do professor e o de seus alunos. Aproposta de currículo para formação de professores, sustentada pelo desenvolvimentode competências, anuncia um modelo de profissionalizaçãoque possibilita um controle diferenciado da aprendizagem e dotrabalho dos professores. Tal perspectiva apresenta uma nova concepçãode ensino que tende a secundarizar o conhecimento teórico e suamediação pedagógica. Nessa concepção, o conhecimento sobre a práticaacaba assumindo o papel de maior relevância, em detrimento deuma formação intelectual e política dos professores.Para o desenvolvimento dessa argumentação, iniciamos analisandocomo relações globais e locais constituem o processo de controledo trabalho docente via currículo por competências. Em seguida,procuramos demonstrar como o conceito de competências não éuma novidade na história do currículo e terminamos analisando comoo conceito de competências se evidencia, recontextualizado, nos atuaisdocumentos curriculares para a formação docente. Com isso tencionamoscontribuir para um debate, que julgamos altamente necessário,com vistas à reformulação das diretrizes estabelecidas para a formaçãode professores em nossa história recente.Reformas curriculares para a formação de professores:relações globais-locais no controle do trabalho docenteAs políticas educacionais em países periféricos sempre foramfortemente influenciadas por movimentos e reformas de países cen1158Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Competências na formação de professores no Brasil: o que (não) há de novotrais. Podemos afirmar, contudo, que esse fenômeno vem se acentuandosignificativamente na última década como parte dos processosde globalização da economia e de mundialização da cultura. Tais processosproduzem discursos que condicionam as políticas educacionaisem nível local, fortemente influenciadas pelos interesses econômicos.O currículo por competências, a avaliação do desempenho, a promoçãodos professores por mérito, os conceitos de produtividade, eficiênciae eficácia, entre outros, disseminam-se nas reformas educacionaisem curso no mundo globalizado. Ball (1998) argumenta, entretanto,que esses processos não ocorrem exclusivamente na direção global-local.Também são incorporadas ao discurso global questões que dizemrespeito às especificidades locais, dessa forma produzindo políticascom mesclas de interesses e marcas tanto locais quanto globais. Nestesentido, global e local são mutuamente constituídos (Ball, 2001). Háuma permanente tensão, nesse processo, entre a necessidade de atendimentoàs particularidades locais na elaboração e execução de políticase a necessidade de considerar o que as localidades têm em comum.O resultado é uma bricolagem, na qual se associam segmentos deidéias de diferentes contextos, fragmentos de teorias e práticas já experimentadosem outros locais, ressignificando-os.3 Esse processo, característicoda execução de políticas públicas em contextos nacionaisou específicos, Ball denomina, com base em Bernstein, tradução erecontextualização. No processo de recontextualização (Bernstein,1996, 1998) são estabelecidas regras que constituem um princípiode apropriação de outros discursos. Trata-se de um processo de deslocare relocalizar discursos, produzindo uma mescla de posicionamentosdiversos, muitas vezes ambíguos.Entre os aspectos que garantem certa identidade na recontextualizaçãode discursos entre países com experiências culturais, políticas,sociais e econômicas tão distintas, destacam-se as ações dasagências multilaterais de fomento e os intercâmbios de idéias e concepçõesentre os diferentes países. Esses intercâmbios se multiplicam,seja por parte dos acordos entre governos, seja por parte da migraçãode concepções dos diferentes sujeitos que lideram, a partir de posiçõesocupadas nos contextos oficiais e acadêmicos, a produção de discursoseducacionais apropriados pelos diversos governos. Tais processossão fortemente acelerados na atualidade via publicação de livros,consultorias intergovernamentais e intergrupos acadêmicos de diferentespaíses, congressos, ações de educação a distância e intercâmbiosEduc. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003 1159Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Rosanne Evangelista Dias & Alice Casimiro Lopesvia Internet. Desse modo, objetiva-se construir o consenso em relaçãoàs ações de governo com base na legitimação da idéia de mudança e dequalidade da educação. Nesse processo de legitimação das reformas, ocurrículo assume centralidade.No caso da formação de professores no Brasil, podemos identificaro questionamento da atuação profissional dos professores comoum dos discursos que visam a estabelecer a construção dessa tentativade consenso e legitimação da reforma. No site do Ministério da Educação4em 2000, a Secretaria de Ensino Superior (SESU) associava o fracodesempenho na aprendizagem dos alunos à formação insuficientede seu quadro docente, justificando as mudanças decorrentes da novalegislação em torno de uma nova concepção para a formação de professoresbrasileiros. Tal discurso encontrava sintonia com a declaraçãodo ex-ministro da Educação e do Desporto, Paulo Renato Souza, emWashington, durante conferência promovida pelo Banco Interamericanode Desenvolvimento (BID) e publicada em jornais de grandecirculação, afirmando “que muitos professores não tinham condiçõesde ensinar” (Passos, O Globo, 2000).No discurso dos documentos, o sucesso da reforma educacionalbrasileira é vinculado à existência de professores que sejam maisbem preparados para “realizar o seu trabalho pedagógico de acordocom a lei” (Mello, 1999, p. 10). Com isso, espera-se também umcompromisso por parte do professor na implementação da reforma econstitui-se uma forma de controle da ação docente. Tal mecanismode controle sobre os indivíduos afina-se com modelos de reformasconservadoras e de perfil técnico e permite verificar, principalmente,aqueles professores que não assumem os princípios da reforma, comoafirmou Mello (1999). Em contrapartida, o controle atualmente estabelecidodiferencia-se das formas de controle anteriores, na medidaem que precisa ser compreendido na sua vinculação com o poder, nãoobrigatoriamente ou exclusivamente coercitivo e centralizado.5 Comodiscute Bernstein & Solomon (1999), o controle simbólico materializa-se no conjunto de regras do dispositivo pedagógico que regula oacesso e a distribuição da consciência, da identidade e do desejo. Nocaso em questão, mais fortemente o controle faz-se sobre como os professoresconstroem suas identidades profissionais.Um dos mecanismos apontados pelos documentos oficiais parao controle da formação de professores é o processo de avaliação decompetências. A formação por competências tem sido elemento fun1160Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Competências na formação de professores no Brasil: o que (não) há de novodamental em um número significativo de reformas curriculares, nosmais variados níveis e modalidades de ensino em diversos países.6 Poresse mecanismo, busca-se a redefinição do processo de formação contínuados professores em torno de sua profissionalização, pautada naconcepção de competência profissional. A garantia do estabelecimentode um estatuto profissional da atividade docente está entre as razõesmais destacadas para a adoção das competências como paradigmacurricular. Como passamos a analisar, tanto a relação das competênciascom o controle do trabalho docente quanto sua vinculação com aprofissionalização dos professores têm suas bases em teorias curricularesinstrumentais já difundidas anteriormente no Brasil e nos EstadosUnidos.Competências na formação de professores:as décadas de 1960 e 1970Diferentes autores (Jones & Moore, 1993; Lopes, 2001;Macedo, 2002; Müller, 1998; Pacheco, 2001) analisam a relação existenteentre as competências e os enfoques curriculares instrumentais,sejam as teorias da eficiência social ou a pedagogia dos objetivos deladecorrente. Em suas análises, salientam como as competências assumemsobretudo um enfoque comportamentalista e fragmentador,objetivando controlar a atuação profissional. Na tradição curricularinstrumental de Bobbitt, Charters e Tyler, a pretendida eficiênciaeducacional poderia ser alcançada desde que controlado o trabalhodocente, muitas vezes a partir de mecanismos presentes na administraçãoescolar. Bobbitt, com base nos princípios da administração científica,acreditava que a eficiência dependia da centralização da autoridadee apontava para a importância do trabalho dos supervisoresem todo o processo de ensino, ainda que alguma iniciativa fosse deixadaaos professores (Pacheco, 2001, p. 13). Esse controle do professorno exercício do magistério se apresentou como uma tendência nocurrículo por objetivos. Neste, a formulação dos objetivos comportamentaispela especificação do desempenho a ser realizado, da condiçãode realização e do critério de avaliação do desempenho não abriaespaço para a improvisação, a imprevisibilidade e a multidimensionalidadeda prática educacional (Gimeno Sacristán, 1998). O professoratuava como um perito ou gerente das condições de aprendizagem(Gagné apud Kliebard, 1974; Mager & Beach Jr., 1976), não cabenEduc.Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003 1161Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Rosanne Evangelista Dias & Alice Casimiro Lopesdo a ele, na sua função, parar para pensar no que fazer, mas sim encontraros caminhos e os meios para fazer o que lhe fosse pedido (GimenoSacristán, 1995). Com isso, a função do professor assumia uma dimensãotécnica altamente restritiva de sua autonomia, criatividade e capacidadeintelectual e política.O currículo por competências das décadas de 1960 e 1970guardava aproximações com tais modelos na medida em que: a) apresentavacomo estratégia metodológica a definição de um perfil profissionala ser formado, identificando nele as respectivas competênciasque o sujeitos deveriam demonstrar (Maranduba, 1981, p. 14); b)definia esse perfil com base nos desempenhos (comportamentos) desejáveisnos professores para garantir a eficiência do processo de ensino-aprendizagem; c) estabelecia a eficiência do processo de ensinoaprendizagemcom base nas expectativas sociais, centradas no mercadode trabalho. Como afirma Barriga (1992), os pressupostos defendidospara a definição do perfil profissional acabaram por “fomentar oindividualismo e a competência como condição básica para poder triunfarna escola e na sociedade” (p. 107), atingindo não somente umgrande número de estudantes como profissionais de variadas áreas, especialmenteos professores.O currículo por competências tinha por base o entendimentode que era muito estreita a associação entre desempenho do aluno edo professor. Acreditava-se que alunos com bom desempenho escolarpossuíam bons professores ou professores eficientes. Com essa compreensão,desde o início do século surgiram muitas pesquisas no campoda educação voltadas ao estabelecimento da competência do professor,intensificando-se especialmente nos anos de 1960 e 1970,quando passaram a visar sobretudo à medida dos comportamentos desejáveisno professor.Os EUA foram o país onde mais se produziu pesquisa sobre aeficiência7 do professor. Ao longo das oito primeiras décadas do séculoXX, houve no país empreendimentos no que podemos chamar demovimento de formação baseado nas competências, cujo principalobjetivo era a formação do professor eficiente para atender às necessidadesque estavam postas pela sociedade.Os estudos sobre a eficiência do professor, em sua grande parte,estavam voltados para dois tipos de abordagens: uma que partiadas características pessoais, pensadas como sendo as ideais para um1162 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Competências na formação de professores no Brasil: o que (não) há de novoprofessor eficiente, e outra que partia da descrição de funções que oprofessor desempenhava, ou a sua prática, para “verificar se tais funçõessão levadas a cabo de modo eficiente, efetivo e econômico”(Mager & Beach Jr., 1976, p. XI). Assim, ao passo que algumas pesquisassobre o professor eficiente pretendiam conhecer o que ele era, aoutras importava saber o que ele fazia. Podemos perceber que nas duasabordagens o comportamento do professor era o foco principal. Encontrarum currículo de formação que pudesse ser conseqüente no alcancedas destrezas esperadas de um professor eficaz passou a ser oobjetivo central dessas pesquisas. As destrezas que compunham umcurso eram obtidas com base em estudos nos quais se realizavam descriçõesdas atitudes dos professores eficientes (Oliva & Henson,1989).Desses estudos surgiram os modelos denominados Formaçãodo Professor Baseada em Competências (Competency-Based TeacherEducation – CBTE) e Educação do Professor Baseada em Desempenho(Performance-Based Teacher Education – PBTE), que influenciarama formação de professores em muitos estados norte-americanospor pelo menos 15 anos (de meados dos anos de 1960 a início dosanos de 1980) e impactaram de forma decisiva a formação de professores(Cooper, 1989; Houston, 1972; Oliva & Henson, 1989;Gimeno Sacristán, 1989). Nesse movimento, o que os professoressabiam sobre o ensino parecia bem menos importante que a habilidadedo professor de ensinar e causar mudança de comportamentonas crianças (Houston, 1972). A organização desse movimento,segundo Oliva & Henson (1989), apoiou-se nos seguintes aspectos:a) especificação de competências: os objetivos ou desempenhosesperados deviam ser observáveis e mensuráveis; b) progressoautônomo ou auto-regulação: estudar segundo seu próprio ritmo;c) avaliação baseada em critérios: os estudantes aprovavam ou suspendiamuma unidade, um módulo ou um curso baseado no domíniodo nível especificado; d) experiências baseadas na realidadedo próprio sistema escolar; e) educação apoiada por recursosaudiovisuais/multimeios.Na concepção de aprendizagem orientadora do modelo CBTE, asatividades e os conteúdos constituíram-se em meios pelos quais eramadquiridas as competências (Cooper, 1989). Assim, as competênciaspassaram a ser responsáveis pela escolha das atividades de aprendizagemou dos conteúdos, desde que estes pudessem relacionar-se comEduc. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003 1163Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Rosanne Evangelista Dias & Alice Casimiro Lopesas competências, enfatizando-se mais o uso do conhecimento (aplicaçãoem um dado contexto) ou a execução das competências.Entre as finalidades na organização das competências, encontramosa de que suas subdivisões e sua conseqüente operacionalização permitirama criação de itens para os testes que pretendiam medir a competênciadocente. A larga difusão dos testes de competência para osprofessores fez surgir, em âmbito nacional, um sistema de certificaçãodas competências. O desempenho nos testes conferia a certificação aosprofessores em exercício e aos recém-formados e também a licença paraa instituição formadora prosseguir no oferecimento desses cursos, seconfirmado o êxito de 80% dos seus alunos nesses testes (Oliva &Henson, 1989, p. 361-362).A implementação desses modelos curriculares baseados nascompetências contou com uma grande soma de investimento porparte do governo federal americano durante os anos de 1960. Acreditava-se, nessa época, que com o empenho de diversos setores pelaadoção do novo modelo poderia ser desenvolvida uma base científicapara a formação de professores (Cooper, 1989). Outro elementoimportante na análise do contexto em que surgiram as propostascurriculares fundamentadas nas competências era a idéia de que omundo passava por mudanças vertiginosas e que isso levava ao ajusteda educação “às necessidades pessoais e às exigências sociais”(Sant’Anna, 1979, p. 131-132).Importantes elementos do contexto em que foram produzidosos currículos baseados nas competências e seus respectivos programasde avaliação foram a “falta de confiança do público nas escolas”(Popham, 1983, p. 389), a existência de um excedente de professorese o movimento de responsabilização da escola – accountability(Cooper, 1989; Maranduba, 1981). Essa política de avaliação e controlebaseada no desempenho do aluno e do professor trouxe muitaansiedade para o docente, decorrente da pressão pública exercida sobreo resultado de seu trabalho nas escolas (Oliva & Henson, 1989).Diferentes vozes na sociedade afirmavam com convicção que as escolasnão melhorariam até que os professores mudassem (Houston,1972). Apesar de o movimento pelo estabelecimento de competênciaspara os professores ter alcançado certa solidez, Oliva & Henson(1989, p. 362) criticaram os legisladores por não discutirem “os próse os contras de estabelecer e exigir competências aos dois grupos”, dealunos e professores.1164 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Competências na formação de professores no Brasil: o que (não) há de novoAs pesquisas sobre a eficiência do professor e o desenvolvimentode currículo por competências favoreceram o surgimento da perspectivade profissionalização da formação docente. O desenvolvimentoda idéia de profissionalização do professor estava associado a umademanda para avaliação do processo de formação e atuação docente(Barriga, 1992) que deveria assemelhar-se à formação do médico. Asidéias de qualidade da educação e de eficiência do trabalho docentepassaram, então, a ser associadas à idéia de perfil profissional bem definidoa partir da listagem de competências e, portanto, de umaprofissionalização sem bases nas especificidades da profissão docentee em sua própria história.8As idéias desenvolvidas em torno da importância do desempenhodo professor na produtividade do sistema escolar fizeram-se presentesnas análises educacionais brasileiras e na maior parte dos estudosque enfatizavam “a dimensão técnica do processo de formação deprofessores e especialistas em educação” (Pereira, 2000, p. 16), produzidosespecialmente na primeira metade dos anos de 1970.Apesar de todos os esforços na definição das competências profissionaisdos professores – grande parte deles com financiamento público–, Popham (1983) declarou seu desencanto ao fazer uma revisãoda produção realizada no período, pois nada parecia ter dadoresultado para o pesquisador da competência do professor. A despeitodisso, voltamos a nos ver, de forma recontextualizada, diante do confrontocom essas perspectivas nas recentes políticas de currículo paraa formação de professores no Brasil, as quais passamos a abordar.Competências na formação de professores: o que (não) há de novoComo já salientamos, nos documentos da reforma curricularbrasileira para a formação docente no final dos anos de 1990, o currículopor competências surge como “novo” paradigma, construindoa idéia de que a escola deve estar sintonizada com as mudanças dasociedade (mais uma vez uma sociedade em vertiginosas mudanças),ajustada ao mercado de trabalho. A complexa conjuntura que se apresentatanto nos Referenciais (1999) como nas Diretrizes (2001) indicapara a escola novas tarefas, entre as quais a ressignificação do ensinoem resposta aos desafios contemporâneos. A reforma curricularrealizada no Brasil, em todos os âmbitos da educação, é entendidaEduc. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003 1165Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Rosanne Evangelista Dias & Alice Casimiro Lopescomo necessária ao “desenvolvimento das pessoas e da sociedade” assimcomo para “favorecer as transformações sociais necessárias” (DCN,2001, p. 8). Não há indicação, contudo, de qual a direção dessastransformações sociais.Podemos observar, nesses documentos, algumas das finalidadessociais já conhecidas e outras resultantes de um contexto diferente,conservando-se assim, ao mesmo tempo, elementos de tradição e derenovação. Como exemplo de elementos de tradição, podemos citar apreocupação de a escola atender às necessidades da sociedade e domercado de trabalho, expressando a mesma vinculação entre educaçãoe interesses de mercado, já identificada anteriormente. Como elementosde renovação destacamos o de uma escola mais voltada à comunidade,especialmente com o envolvimento maior dos pais e da própriacomunidade (membros voluntários, entidades, ONGs etc.). Tais elementosde renovação indicam as novas competências desejáveis para a inserçãono mundo atual, como por exemplo a capacidade de se inserirem diferentes contextos de trabalho, constantemente em mudança.Tencionando realizar “um desafio de proporções consideráveis”para um curto espaço de tempo – o de “consolidar um novo perfilprofissional muito diferente do convencional” (RFP, 1999, p. 45) –, ocurrículo da reforma propõe alterar de fato “o modelo de professor”(idem, ibid.). Essa visão, assim como a que busca estabelecer relaçõesentre desempenho do professor e do aluno, está sintonizada comaquela defendida na formação docente com base nas competências ouno desempenho, sob o enfoque instrumental de currículo, discutidana seção anterior.O desenvolvimento das competências como princípio para aatividade profissional defendido nos documentos visa à aprendizagemde um “conhecimento útil” para o exercício da profissão, colocando o“foco da avaliação na capacidade de acionar conhecimentos e de buscaroutros, necessários à atuação profissional” (DCN, 2001, p. 39).Outro argumento presente nos documentos sobre o currículo porcompetências é o de que as competências permitem a mobilização deum conhecimento contextualizado,9 prático e voltado para a formaçãodo profissional, no caso, o professor.O discurso dos documentos oficiais defende uma educaçãovocacionalizada na formação de professores, voltada para o treinamentoprojetado das ocupações. Como analisa Bernstein (1996, p. 215)1166 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Competências na formação de professores no Brasil: o que (não) há de novopara o caso da educação inglesa, projeta-se uma educação “mais dependentedas necessidades do campo econômico e mais dirigida pelosprincípios derivados desse campo”. Nos documentos oficiais, as situaçõesconcretas encontram correspondência com as finalidadeseducacionais anteriormente discutidas por dirigir seu foco ao contextodo mundo produtivo, acarretando uma visão restrita da educação.A dimensão prática no currículo passa a ser um elemento fundamentalna seleção dos conteúdos para o desenvolvimento das competênciasna formação docente. Nesta perspectiva, a contribuição a serdemandada das disciplinas deriva da análise da atuação profissionalque, segundo os Referenciais, deverá ser pautada no que vier a contribuirpara o “fazer melhor” (RFP, 1999, p. 86), do ponto de vista profissional.Nesse caso, a concepção de prática profissional é distorcida,pois, como discute Pérez Gómez (1998), dificilmente a prática profissionalpoderá resolver os problemas que aparecem em uma situaçãoconcreta sem que se considere a complexa situação social.Em contraprtida, a flexibilidade do currículo por competênciaspretende considerar e respeitar “as diferenças de percurso” (RFP, 1999,p. 107) na formação de cada professor. Essa flexibilidade no currículopor competências visa a atender a uma nova forma de organizaçãodo conhecimento, instituindo ações de formação voltadas à modularizaçãodo ensino, ao aprender a aprender, demonstrando o caráterindividualizante das competências. Ao professor cabe o desenvolvimentode suas competências, as quais, no processo de avaliação, permitemo controle da formação e do exercício da profissão. A adoçãodas competências no currículo da formação objetiva, portanto, “quese organize o processo de ensino e aprendizagem em função delas”(RFP, 1999, p. 111), exigindo uma outra lógica para o curso que parteda idéia de perfil profissional projetado.Refutando a crítica de que estaria negando a importância dasdisciplinas na formação de professores, as Diretrizes (2001) argumentamque no currículo por competências os saberes disciplinares passama ser situados no conjunto do conhecimento escolar, mudando,no discurso curricular, o lugar que ocupa a disciplina e o uso que delaé feito, ou a finalidade lhe atribuída. As relações entre competênciase disciplinas, contudo, são mais complexas. As competências não possuemconteúdo próprio (Jones & Moore, 1993), pois os conteúdospor elas mobilizados podem variar conforme o desempenho a ser deEduc.Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003 1167Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Rosanne Evangelista Dias & Alice Casimiro Lopessenvolvido. As habilidades e competências a serem formadas exigemconteúdos de diferentes disciplinas, normalmente articulados entre sisegundo as exigências das situações concretas (contextos de aplicação).É possível encontrarmos competências que se associam a disciplinassem, no entanto, dependerem de um conteúdo disciplinar. É o casodas competências do tipo genéricas, marcadas pela descontextualizaçãoe demonstradas por desempenho. As competências também podemrelacionar-se com uma ou mais disciplinas ao mesmo tempo. Nas DCN(2001), as competências listadas nos seis grupos de demandas para aformação de professores remetem-se ao que Macedo (2002) denominade “capacidade de ação frente a uma situação específica e concreta”(p. 123), distanciando-se do âmbito disciplinar. Já no PECNS(2000), todas as competências listadas por disciplinas são relacionadasaos respectivos conteúdos escolares. Também identificamos emcada disciplina contida no PECNS todos os grupos que integram aslistagens de competências apresentadas nas DCN (2001, p. 40-43) esuas respectivas habilidades.Defendemos, assim, que as competências surgem no currículoda formação de professores para instituir uma nova organizaçãocurricular, na qual o como desenvolver o ensino pretende ser a questãocentral. Aprender a ser professor, segundo as Diretrizes, requer aênfase no conhecimento prático ou advindo da experiência, pois “saber– e aprender – um conceito, uma teoria é muito diferente de saber– e aprender – a exercer um trabalho” (idem, ibid., p. 48).Essa concepção também defende a idéia de “repensar a perspectivametodológica” (idem, ibid., p. 31), indicando que as competênciaspropiciam “situações de aprendizagem focadas em situaçõesproblemaou no desenvolvimento de projetos” (idem, ibid.), bemcomo possibilitam “a interação dos diferentes conhecimentos” (idem,ibid.) de forma integrada em áreas ou disciplinas. Nesse caso, diferentesconhecimentos são aqueles que sustentam a formação profissional.Podemos verificar que a idéia de conhecimento especializado seprecariza com essa organização. No discurso dos documentos, adotasea perspectiva de secundarização das tradicionais disciplinas escolarescomo modelo de organização curricular, pelas competências quemobilizariam os conteúdos escolares, a partir de situações-problemaem módulos de aprendizagem voltados à atuação profissional do professor.Tal perspectiva é apresentada nos Referenciais ao se defender a1168 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Competências na formação de professores no Brasil: o que (não) há de novoruptura com o que denominam como “lógica convencional, que partedas disciplinas para definir os conteúdos da formação, e substituílapor outra” (RFP, 1999, p. 87). O referencial passa a ser a atuaçãoprofissional indicadora daquilo que deve ser demandado das disciplinas.Nos Referenciais, atribui-se às competências o “status deobjetivos de formação” (idem, ibid., p. 82), procurando no mesmotexto distinguir-se do modelo de currículo por objetivos ao afirmarque as competências não são metas quantificáveis nem individuais.Entretanto, ao se desenvolver a avaliação como processo fundamentalna formação por competências do profissional docente, as questões sobrequantificação e individualização passam a se colocar, no mínimo,como problemáticas. Considerando a complexidade de “avaliar ascompetências no processo de formação” (DCN, 2001, p. 33), o documentodistingue dois tipos de competências a serem avaliadas: as dotrabalho coletivo e as individuais. Mesmo reconhecendo as dificuldadespara avaliação das competências profissionais, os documentos indicamdiversos instrumentos adequados para responder a essa complexidade.10 Os chamados instrumentos são na verdade atividades quevisam ao desenvolvimento de desempenhos.Os documentos defendem o uso diversificado de procedimentose processos de avaliação, assim como sua periodicidade e sistematização,propondo a articulação entre conhecimentos e desempenho,ou a “capacidade de mobilizar saberes de diferentes naturezas no exercíciode suas funções e em situação contextualizada” (RFP, 1999, p.145). Essa estratégia de tomar como referência o próprio trabalho e oconhecimento experiencial para decidir o que deve ser ensinado e avaliadofoi defendida por Mager & Beach Jr. (1976) ao desenvolver aimportância do desempenho para a aprendizagem. Para esses autores,o desempenho, mais que o conteúdo, pode ensinar na experiência.O discurso dos documentos, mesmo recusando qualquer tipode associação com o movimento da eficiência social e da pedagogiados objetivos, ou ainda com modelos curriculares baseados na formaçãodocente por competências ou desempenho, apresenta um repertóriode competências que se aproxima muito, especialmente na suaformulação, desses modelos. Entre as aproximações, citamos a organizaçãode competências de três tipos: conceituais, procedimentais eatitudinais, correspondendo respectivamente aos objetivos cognitivos,Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003 1169Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Rosanne Evangelista Dias & Alice Casimiro Lopespsicomotores e afetivos formulados por Bloom, a partir de verbos queespecificam desempenhos a serem avaliados de modo mais objetivo.Podemos perceber nos documentos o estabelecimento de relaçõesentre desempenho do professor e do aluno como um discursoambíguo. Embora os Referenciais registrem a inconsistência dos estudossobre a relação entre formação profissional do professor e aprendizagemescolar dos alunos (RFP, 1999, p. 40), o documento apontapara a hipótese de que “a formação de professores”, embora não deforma exclusiva, “é condição sine qua non” para garantir uma “aprendizagemescolar de melhor qualidade” (idem, ibid., p. 41), responsabilizandoo professor pelo sucesso de seus alunos no desempenhoeducacional.Ainda podemos identificar, na proposta desse novo modelo brasileirode profissionalização, que se pretende mais que um novo processode formação de professores e, sim, um novo tempo-espaço paraa formação, no qual o próprio professor é responsabilizado por suaformação permanente, em serviço. Como podemos verificar no documentodas Diretrizes (2001), o desenvolvimento das competênciasprofissionais é processual e a formação inicial é apenas a primeira etapado desenvolvimento profissional permanente, “impondo ao professoro desenvolvimento de disposição para atualização constante” (DCN,2001, p. 10). Caberá ainda ao professor, individualmente, identificarmelhor suas necessidades de formação e empreender o esforço necessáriopara realizar sua parcela de investimento no próprio desenvolvimentoprofissional, pois ser profissional “implica ser capaz de aprendersempre” (RFP, 1999, p. 63).A profissionalização do professor, entendida como um processode constante formação e objetivando atender aos princípios deflexibilidade, eficiência e produtividade dos sistemas de ensino,apresenta correspondência com os aplicados pelos teóricos da eficiênciasocial os quais, no início do século XX, defendiam que o currículo“deveria se dirigir a finalidades mais funcionais e utilitárias,relacionadas com o destino social e ocupacional dos jovens americanos”(Macedo, 2000, p. 15). O desafio, apresentado pelas Diretrizes,de tornar a formação de professores uma formação profissionalde alto nível sustenta uma concepção mais voltada à técnica, cujaênfase passa a ser a de proporcionar o “atendimento das demandasde um exercício profissional específico que não seja uma formação1170 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Competências na formação de professores no Brasil: o que (não) há de novogenérica e nem apenas acadêmica” (DCN, 2001, p. 28). O profissional,portanto, deve possuir mais que “conhecimentos sobre o seu trabalho”(idem, ibid.); deve saber mobilizá-los, o que implica dominarcompetências.Nesses documentos, ainda podemos ver sustentada a idéia deconstrução de perfil profissional do professor, semelhante às propostasque foram desenvolvidas nos anos de 1960 e 1970 pelos currículosde formação baseados em competências e desempenho nos EstadosUnidos – o CBTE e o PBTE. Contrariamente ao defendido comrelação à singularidade do trabalho do professor, a idéia do perfilprofissional ganha força com um argumento que visa à padronização,ao buscar no delineamento do perfil de um profissional “o conjuntode características comuns à maioria, e não a todos” (RFP, 1999,p. 32).No desenvolvimento da chamada cultura da avaliação podemosperceber o condicionamento de um perfil profissional do professor.A cultura da avaliação não se restringe ao processo de formação inicial;prossegue pela formação continuada, difundida pelo lemaaprender a aprender, e ainda serve como mecanismo de promoção salariale desenvolvimento da carreira. Com todos esses atributos, odiscurso dos documentos esforça-se em dissociar o caráter punitivoda avaliação, afirmando que ela será útil ao professor que poderá“auto-regular a própria aprendizagem” (DCN, 2001, p. 33). No discursodos documentos, avaliação e responsabilidade caminham juntasno desenvolvimento profissional dos professores e, por isso, sugerema instituição de “processos de avaliação da atuação profissional,capazes de aferir a qualidade efetiva do trabalho do professor” (RFP,1999, p. 146), que venham a romper com o instituído, promovendouma avaliação por mérito e de caráter individualista, mas contrariandoa idéia de desenvolvimento profissional que pautam como essencialmentecoletivo. Tais concepções restritivas da profissão docenteexpressam-se claramente na Portaria n° 1.403, de 9 de junho de2003, que institui o Sistema Nacional de Certificação e FormaçãoContinuada de Professores.Como podemos verificar, a expressão desenvolvimento de competências,ao longo da história do currículo, está associada à atuaçãoem situações concretas ou da experiência profissional e pode vir aresultar no esvaziamento do espaço do conteúdo dos diferentes coEduc.Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003 1171Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Rosanne Evangelista Dias & Alice Casimiro Lopesnhecimentos em favor do saber técnico de como desenvolver a atividadede ensino na escola a partir da valorização do desempenho, do resultadoe da eficiência (Apple, 1995).Mesmo reconhecendo a singularidade do trabalho do professor,a formação defendida pelos documentos volta a ser entendidacomo um processo de treinamento, no qual, mais que dominar conhecimentosteóricos, importa que o professor saiba aplicar esse conhecimentoem situações concretas, na prática, com a máxima deque “isso se aprende a fazer fazendo” (RFP, 1999, p. 62). Verificamostambém que a orientação de prover as necessidades dos diversosprofessores, atendendo às diferenças no desenvolvimento docurrículo da formação, não segue a mesma direção no processo deavaliação. Podemos verificar nos documentos, ao fazerem referênciaao processo de avaliação de competências, que este deve se utilizarde instrumentos de avaliação que possam cumprir com a finalidadede “diagnosticar o uso funcional e contextualizado dos conhecimentos”(idem, ibid., p. 118), destacando-se dessa forma o caráterinstrumental das competências.ConclusõesAfirmamos, por fim, que o modelo de competências na formaçãoprofissional de professores atende, de fato, à construção de umnovo modelo de docente, mais facilmente controlado na produção deseu trabalho e intensificado nas diversas atividades que se apresentampara a escola e, especialmente, para o professor. Na proposta de avaliaçãodas competências em um sistema nacional de certificação materializa-se o controle da formação e do exercício profissional. Com aperspectiva desenvolvida pelos documentos oficiais, o caráter projetadoé o de um professor a quem muito se cobra individualmente naprática, seja na responsabilidade pelo desempenho dos seus alunos,seja no desempenho de sua escola, ou mesmo no seu desempenhoparticular, embora o discurso aponte para a construção de um trabalhocoletivo, criativo, autônomo e singular.O currículo por competências apresenta-se como recontextualizadocom o fim de atender às novas finalidades de formação docente:flexível e sujeita à avaliação permanente. O modelo que estásendo questionado para o currículo da formação de professores no1172 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Competências na formação de professores no Brasil: o que (não) há de novoBrasil é o que se baseia nas experiências acadêmicas, desenvolvido especialmentenas universidades. Desse modo, a recontextualização docurrículo da formação de professores baseada nas competências modificao foco da aprendizagem escolar, na qual os conteúdos e as disciplinaspassam a ter valor apenas como meios para constituição decompetências.A expectativa que se aponta para os educadores e para a sociedadeem geral no momento é de que seja possível a construção de umespaço público de diálogo e de formulação de alternativas curricularespara a formação de professores, capaz de responder às críticas ao currículopor competências. Especialmente no que concerne ao aligeiramentoda formação docente e às restrições da atuação intelectual epolítica dos professores. Ainda que o governo que se inicia, gestadocom maior envolvimento popular, esteja mantendo as mesmas açõesno que concerne à formação de professores, fato que merece uma investigaçãoparticular dos interesses e das concepções em jogo, entendemosque a crítica e o debate devem ser ampliados.Recebido em setembro de 2003 e aprovado em outubro de 2003Notas1 . Destacamos como documentos centrais para análise os Referenciais para a Formação deProfessores – RFP (Brasil, MEC/SEF, 1999), o Projeto de Estruturação do Curso Normal Superior– PECNS (Brasil, MEC, 2000) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formaçãode Professores da Educação Básica – DCN (Brasil, MEC/CNE, 2001).2 . Sobre a polissemia do conceito de competências, ver Isambert-Jamati (1997), Ropé &Tanguy (1997) e Serón (1998).3 . Em outros trabalhos (Lopes, 2002c), uma de nós aprofunda essa análise para o caso dareforma do ensino médio no Brasil, discutindo como os processos de recontextualizaçãodesenvolvem discursos híbridos, caracterizados por essa bricolagem.4 . Disponível em: <http://www.mec.gov.br/sesu/esclareci.shtm>. Acesso em: 26 de maio de2000.5 . Na perspectiva pós-estruturalista opta-se por substituir o conceito de “controle” pelo de“regulação”, em virtude de este expressar os elementos ativos de poder presentes nas capacidadesindividuais socialmente produzidas e disciplinadas (Popkewitz, 1997). Ainda que salientemosque os processos de controle atuais são diversos daqueles utilizados no passado, optamos pormanter a utilização da expressão “controle” de forma a se estabelecer a coerência conceitual comBernstein. Mas salientamos que essa concepção de controle se diferencia da idéia de controlesocial e econômico e se aproxima da idéia de regulação pela valorização do poder e do discurso,evidenciando as aproximações de Bernstein com o pós-estruturalismo. Recomendamos, aquem deseja um aprofundamento da relação entre controle e regulação, ver o próprio textoEduc. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1155-1177, dezembro 2003 1173Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>Rosanne Evangelista Dias & Alice Casimiro Lopesde Popkewitz. Aos que desejam compreender como Bernstein, por vezes, antecipa insightspós-estruturais, ao mesmo tempo em que deles se diferencia, sugerimos ver Schilling (1992).6 . Para mais esclarecimentos ver Lopes (2001), Macedo (2002) e Pacheco (2001).7 . Utilizamos os conceitos de eficiente e eficaz de Mager & Beach Jr. (1976). Para os autores,eficiente é quem “realiza o que se propôs a realizar” (p. 83) e eficaz, quem “se propõe arealizar coisas importantes relacionadas com a profissão ou o trabalho a ser ensinado”(ibid.). Esses conceitos foram aplicados por diversos autores aos estudos sobre a formaçãode professores, especialmente relacionados à competência profissional.8 . Para mais desenvolvimentos, ver Lopes & Macedo (1998).9 . Ver em Lopes (2002c) como se desenvolve o vínculo do conceito de contextualização propostopelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio com as perspectivasinstrumentais de currículo.1 0 . Entre as alternativas apresentadas pelos documentos oficiais RFP (1999, p. 117-118) e DCN(2001, p. 33), listamos as seguintes: elaboração de uma rotina de trabalho semanal a partirde indicadores oferecidos pelo formador; participação em atividades de simulação;planejamento de situações didáticas consoantes com um modelo teórico estudado.Referências bibliográficasAPPLE, M.W. 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